segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Entrevista ao Portal do Handebol Jun. 2008

Entrevista concedida por mim, técnico da seleção brasileira masculina de handebol de areia, no dia 14 de junho de 2008, durante o período de treinamento para o Mundial da Espanha.

Portal do Handebol: Guerra, quais são os principais objetivos para essa campanha do Brasil no mundial da Espanha? A equipe defende o título e agora na primeira fase a regra mudou um pouco, só duas equipes se classificam.
Antônio H. Guerra-Peixe: O objetivo da seleção masculina é ser campeão. A manutenção do título é a nossa intenção em absoluto. Na verdade, os organizadores mudaram a forma de disputa, não é a regra, é a forma de disputa. Antes na fase preliminar classificavam quatro, agora se classificam dois, que fazem um cruzamento olímpico. Segundo contra primeiro e o outro primeiro contra o segundo.

P: E analisando as chaves da competição, o Brasil está na chave II ao lado de Egito, Paquistão, Espanha, Turquia e Líbia. Algum desses adversários preocupa mais, ou todos merecem cuidados especiais?
G P: A gente vai enfrentar logo de cara alguns países que tradicionalmente disputam a modalidade. Estão na nossa chave o Egito que já foi campeão mundial, a Turquia que foi duas vezes vice e a Espanha, ex-campeã européia uma equipe espetacular, que joga em casa. Essas equipes são as que naturalmente preocupam mais.

P: E projetando uma classificação para a próxima fase, e vendo o outro grupo, tem algum adversário que também preocupa? Ou quem quer ser campeão tem que passar por todos?
G P: Quem quer ser campeão tem que vencer todos e se preocupar com todos. Mas na outra chave existem também os países que tradicionalmente disputam a competição. Tem a Rússia com inúmeros títulos europeus e que é a atual campeã do continente. A Croácia que sempre fica entre os três. A Hungria que está sempre entre os cinco países em todas as competições e a Sérvia que ingressou recentemente na modalidade e já é vice-campeã européia.

P: E falando um pouco sobre o Brasil, qual é a característica, o perfil do grupo que está aqui na Praia Grande?
G P: Em relação ao jogo, o grupo tem um perfil de velocidade, um perfil de atletas hábeis que jogam muito com bola aérea. Atletas que têm muita experiência de jogo, e um perfil vencedor. É um país campeão mundial, tetracampeão pan americano. Tivemos recentemente, a saída de dois atletas que fizeram parte de toda essa campanha, mas eram atletas que, no entendimento da comissão técnica, seriam substituíveis. E o grupo é muito bom, coeso, unido, forte e alegre, uma característica do brasileiro.

P: Depois de certo tempo, jogadas consideradas plasticamente bonitas passaram a valer dois gols. Nisso você acha que a seleção leva vantagem pelo fato do brasileiro ser criativo e estar sempre disposto a desenvolver novas situações?
G P: Sem dúvida, a gente joga com a característica de um jogador especialista, que não é um grande arremessador. Arremessa também, mas não é um grande arremessador, é um jogador baixo e magro. Eles têm a característica de jogar com atletas muito fortes. Com especialistas que fazem gols que valem dois utilizando força. E nós temos realmente essa característica da habilidade, do poder de inventividade. Agora, todo esse conjunto, tanto de um lado como de outro, na hora do jogo se equivalem muito. O handebol de areia nunca tem uma definição do vencedor antes do jogo. Fato que acontece com certas modalidades. Você pode falar que o Brasil não perde um determinado jogo de voleibol. O basquete norte americano não vai perder esse jogo nunca. No handebol de areia não existe isso.

P: A coesão do grupo é um fator que dificulta ainda mais a sua missão de escolher os dez jogadores e ter que deixar quatro pelo caminho?
G P: Sem dúvida. É mais um motivo de dificuldade e preocupação. O grupo é muito unido e se entende muito bem. Já estamos com treze dias de trabalho com jogadores excepcionais e tecnicamente muito fortes.

P: Nas últimas competições o Brasil tem adotado um sistema para formação da seleção apoiado em seletivas regionais. Até que ponto isso é importante também para a visibilidade do esporte?
G P: É absolutamente favorável. Para essas seletivas nós convocamos atletas de determinadas regiões. Isso favorece o crescimento do desporto, pois esses atletas, que muitas vezes não tem condições de ingressar na seleção agora, voltam para os estados e são agentes de motivação, um elo de desenvolvimento da modalidade naqueles estados.

P: E outro aspecto destacado foi o da modalidade não ter o favorito de véspera. Isso é explicado um pouco pela intensidade do jogo, os dois tempos, a dimensão da quadra menor (se comparada ao handebol indoor). Esses itens explicam a falta de prognósticos e justificam em parte o tempo de duração dos treinamentos, que são menores e mais freqüentes?
G P: São duas perguntas em uma, mas que não tem relação. O handebol de areia é imprevisível porque primeiro, se joga em sets. Então, muitas vezes não adianta você ganhar um set de trinta gols de diferença e perder o outro de um gol, se ainda tem uma decisão em um terceiro set de um contra o goleiro, o shoot out, que é um pênalti em movimento e muita coisa pode acontecer. Um vento na hora tira um gol, uma bola na trave, uma bola que escorrega da mão. Isso pode acontecer, já vimos isso. Equipes muito inferiores vencerem equipes fortes. Isso acontece. Portanto, entendo que o tamanho da quadra não se enquadra nas outras questões. Acredito que tem peso nessa imprevisibilidade, entre outras, a estruturação do jogo, que permite a superioridade numérica. Quanto ao treinamento, mesmo na quadra, já se recomenda a um bom tempo, que se treine no máximo por uma hora e meia. O que a gente acentua muito, é o número de vezes durante o dia. No caso do masculino, três vezes e do feminino duas, mas com um número de horas maior. O que nos leva a isso é a impossibilidade de estar com o grupo ao longo do ano e a necessidade de se trabalhar o físico, a técnica e a tática.

P: O calendário até a estréia em Cádiz já está definido?
G P: Bom, a gente tem uma definição dos atletas para o dia 20 de junho. Saímos para o Mundial no dia 2 de julho. Temos o início de um torneio internacional em Algeciras na Espanha, no dia 4, com término no dia 7. E o início do Mundial no dia 9 com término dia 13.

P: Os treinos aqui na Praia Grande prosseguem até a definição do grupo e do embarque para a Espanha?
G P: Continuamos em Praia Grande treinando três vezes por dia, com uma hora e meia em cada sessão.

P: E agora falando do handebol de areia de uma forma geral, como você analisa a situação dele no Brasil? Em que nível a gente pode falar que ele está atualmente?
G P: O handebol de areia no Brasil está como o Brasil: em desenvolvimento. É uma modalidade que tem grandes possibilidades. Tem facilidade com mídia e de inserção na escola. Existe Estado em que o handebol de areia está predominando em relação ao handebol. Não é o nosso desejo. Entendo que há espaço para todo mundo, mas infelizmente no Rio Grande do Norte o handebol de areia entrou e o handebol de quadra caiu muito. O handebol de areia hoje se desenvolve em muitos Estados. O título do feminino no World Games da Alemanha, em 2005 foi importantíssimo para impulsionar. Depois os títulos masculino e feminino no Mundial do Brasil também contribuíram muito. Avançamos na organização da modalidade no âmbito da Confederação Brasileira, com um campeonato nacional bem definido. As etapas também estão definidas. Para coroar todo esse trabalho, já existe um movimento na Europa para entrada da modalidade nos Jogos Olímpicos.

P: E tem alguma região que se destaca no handebol de areia pelo número de praticantes ou por algum trabalho desenvolvido?
G P: Somos obrigados a admitir que a Paraíba hoje, com o título no masculino e o bicampeonato no feminino é o Estado onde mais se desenvolve a modalidade. Em João Pessoa tenho a oportunidade de trabalhar na Taça Kika. Sou um dos coordenadores. A competição reúne um número fantástico de praticantes da região nordeste. São equipes que treinam durante o ano e participam de torneios e campeonatos na areia, tanto que tem obtido resultados. Eu entendo também que, assim como no vôlei de areia, o atleta nordestino tem a característica adequada para o jogo na areia. Eles são preparados para intempéries, como um sol pesado e a areia. O nordestino é um povo duro, um povo sofrido e acredito que esse seja o segredo para o sucesso deles.

P: Qual a importância de pessoas como a Cláudia Monteiro e o Paulo Roberto Martins para a evolução do handebol de areia, para a divulgação desse esporte?
G P: Eles vieram em um segundo momento e são importantíssimos. A Cláudia é uma pessoa que tem todos os méritos, pois trabalha muito. Trabalha no estado dela com a modalidade, é uma vencedora, técnica campeã do mundo, tem todos os méritos, é uma pessoa preparada e técnica de alto nível. O Paulinho tem uma linha diferente. Ele tem trabalho técnico com equipe, mas o grande destaque dele é na organização de competições. O Paulinho é o motor do handebol de areia no estado de São Paulo. Ele vislumbrou essa possibilidade de crescimento da modalidade no Estado. Trouxe para cá e todo ano evolui de maneira absurda. Quando vi esse potencial nele, comuniquei a confederação da minha intenção de convidá-lo para trabalhar com a gente. O que foi prontamente aceito. Até porque ele foi um atleta de alto nível, como a professora Cláudia também foi, e tinha a simpatia de todos os responsáveis pela modalidade no país.

P: Como você vê o futuro do handebol de areia no Brasil. Quais as perspectivas ele apresenta para os próximos anos?
G P: O handebol de areia precisa se firmar como modalidade vencedora. Então a expectativa é que consigamos nos manter entre os vencedores em competições internacionais. Temos a expectativa da confirmação do crescimento das competições estaduais, levando ao crescimento da competição nacional. Tenho a esperança que a gente cresça em número de competições, para que os atletas se mantenham mais tempo na prática da modalidade. Também esperamos que a modalidade cresça no âmbito escolar e nas categorias de base. Muitos estados já estão fazendo, mas a gente ainda não tem uma competição que reúna todos. Agora para coroar tudo isso, a nossa principal expectativa é de que um dia a modalidade venha a ser uma modalidade olímpica.

P: Você acha que ainda falta um pouco de espaço na mídia para o handebol de areia, e por isso veio a idéia de manter um blog?
G P: Acho que não falta espaço para o handebol de areia na mídia. Falta espaço para todo esporte que não seja o futebol. Eu adoro o futebol, mas acho que ou se aumenta o número de linhas dedicado ao desporto ou se distribui melhor os espaços. Porque não podemos viver sob a égide da monocultura do desporto. Isso aí é uma estupidez. Hoje temos o voleibol, que é campeão mundial e olímpico. O voleibol de areia, que é campeão olímpico e que não tem tanto espaço quanto o outro. Nós temos o basquete, com uma longa trajetória de vitórias. Temos tênis, automobilismo, inúmeras modalidades que se destacam no país, judô, e precisamos de espaço. E o handebol de areia também precisa. O blog nasceu da necessidade de responder ao clamor dos que queriam escrever e conhecer a modalidade. Existia um grupo de estudantes de educação física, que já escreviam sobre handebol de areia. Na verdade nasceu mais por conta disso. Mas também atendendo a profissionais e atletas da modalidade que procuravam saber alguma novidade da modalidade. Entendo que de certa forma, ele está cumprindo às expectativas. Estou um pouco afastado agora, porque a batida aqui (treinamento da seleção) é muito forte e tenho pouco tempo, mas estou retornando...

3 comentários:

Rio Handbeach disse...

Gostei muito, Guerra.

Concordo com a sua linha de raciocínio e acho fundamental esse teu "pé no chão" apesar do título mundial e do vice que já conquistamos.


Vamos trabalhar para que a modalidade cresça e se afirme.

Forte abraço
Marcinho



Obs: Queremos mais artigos da coluna "Dicas do Guerra" hauhau

Unknown disse...

Guerra sou aqui da Paraíba,acabei de ler essa entrevista, achei fundamental para o meu desenvolvimento no esporte,pois mudou alguns conceitos que eu tinha a respeito do mesmo.Só tenho que te parabenizar pelo belo trabalho que você vem desenvolvendo na seleção e por todo o esporte no Brasil.
Um forte abraço !




Josias Júnior. ( atleta do FHC - PB )

Guerra-Peixe disse...

Isso aí rapaziada. Pé no chão e humildade nunca fizeram mal a ninguém. Caminhemos juntos pelo crescimento do beach handball.
Forte abraço!